O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) possui previsão constitucional no art. 156 da Carta Magna de 1988, o qual dispõe que aos Municípios é permitida a instituição de imposto sobre serviços previstos em Lei Complementar.
Como se vê, a capacidade tributária ativa outorgada pelo constituinte aos municípios não foi ilimitada: estes somente podem instituir impostos sobre serviços definidos em lei complementar e, obviamente, subsumindo-se às balizas impostas pela Constituição Federal.
Atualmente, a Lei Complementar que disciplina o ISSQN é a Lei Complementar n. 116/2003, a qual estabelece, em seu art. 1º, §1º, que “O imposto incide também sobre o serviço proveniente do exterior do País ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior do País”.
Não obstante o dispositivo legal prevendo a incidência do ISSQN sobre a importação de serviços, o fato é que não há qualquer previsão constitucional para que o ISSQN onere importações, ao contrário do que ocorre com as outras espécies de exação, de competência federal ou estadual (v.g. ICMS importação, PIS/COFINS importação etc.).
De fato, as atividades ou operações oriundas do exterior são hipóteses de incidência de exceção no sistema tributário nacional, necessitando de expressa autorização constitucional para que sejam tributadas pelas pessoas jurídicas internas de Direito Público.
Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 203.075-9/DF[1], ressaltou a inconstitucionalidade da exação nas operações de importação de mercadorias por pessoas física e pessoas jurídicas não contribuintes, hipótese que ensejou autorização constitucional expressa com a edição da EC nº 33, de 11 de dezembro de 2001 e, posteriormente, a edição da EC nº 42, que alterou a redação do artigo 149, § 2º, inc. II, e incluiu o inc. IV ao art. 195, para que se pudesse tributar, pela CIDE, a importação de produtos estrangeiros ou de serviços.
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[1]RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PESSOA FÍSICA. IMPORTAÇÃO DE BEM. EXIGÊNCIA DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na importação de mercadoria tem como fato gerador operação de natureza mercantil ou assemelhada, sendo inexigível o imposto quando se tratar de bem importado por pessoa física.
2.Princípio da não-cumulatividade do ICMS. Pessoa física. Importação de bem. Impossibilidade de se compensar o que devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal. Não sendo comerciante e como tal não estabelecida, a pessoa física não pratica atos que envolvam circulação de mercadoria. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 203.075, Rel. Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, 1ª Turma, julgado em 05/08/1998, DJ 29-10-1999).
A toda evidência, até o presente momento, o constituinte não considerou a incidência de tributos nas operações de importação como algo que decorra naturalmente da exigibilidade das operações internas, mas como algo que se acrescenta à competência tributária dos entes da Federação, a justificar sua ampliação específica.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, através de sua Primeira Câmara Cível, nos autos da Apelação Cível n. 70079536884, suscitou a inconstitucionalidade do art. 1º, §1º da Lei Complementar n. 116/2003, em decisão assim ementada:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. ISS. INCIDÊNCIA SOBRE IMPORTAÇÃO DE SERVIÇOS. INCONSTITUCIONALIDADE. A previsão expressa no § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 116/2003, em princípio, extrapolou a competência tributária outorgada aos Municípios pela Constituição Federal, razão pela qual deve ser afastada sua incidência, sendo declarada a nulidade do débito tributário. INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE SUSCITADO
Do voto do Relator, Desembargador Newton Luis Medeiros Fabrício, destaca-se o seguinte trecho:
“(…) Isso porque, ainda que a LC 116/2006, determine a incidência do tributo sobre o “serviço proveniente do exterior do País”, é verdade que o dispositivo não encontra amparo constitucional.
No caso, não houve qualquer prestação de serviço no território brasileiro, de forma que o fato gerador do ISS, qual seja, a prestação de serviços não ocorreu dentro dos limites da aplicação da lei nacional. Logo, a cobrança do Município viola o princípio da territorialidade da lei brasileira, na medida em que a lei municipal não pode alcançar fatos geradores ocorridos fora dos limites do país.
Somente a Constituição Federal, como já realizou em relação a outros tributos, poderia autorizar a cobrança, conferindo alcance excepcional à regra matriz do referido imposto.
Ressalto que a regra de competência trazida no art. 156, inciso III, da CF confere aos Municípios a possibilidade de instituição de tributos sobre serviços de qualquer natureza. No mesmo dispositivo, encontra-se, ainda, a exclusão da incidência em relação às exportações de serviços. Isso porque, em sendo prestado o serviço em território brasileiro, a princípio, teria o Município em que ocorreu o fato gerador a competência para estabelecer a tributação. Assim, foi necessário, ao constituinte, afastar expressamente a incidência na hipótese.
Situação diversa ocorre em relação à importação de serviços, quando não há a verificação de fato gerador no solo nacional. Assim, a regra é a não tributação – em razão do princípio da territorialidade – de forma que a exceção, com a consequente ampliação da competência municipal, somente poderia ser prevista pela Constituição.
(…)
Logo, tendo em vista que a regra infralegal, em princípio, extrapolou a competência tributária outorgada aos Municípios pela Constituição Federal, é de ser afastada a sua incidência à hipótese dos autos, com a possível declaração da inconstitucionalidade do dispositivo.
No entanto, em respeito à cláusula de reserva de plenário prevista no art. 97, da Constituição Federal, inviável o reconhecimento da inconstitucionalidade do § 1º do art. 1º da LC 116/2003 por este órgão fracionário, sendo necessário o pronunciamento prévio do Órgão Especial deste Tribunal, nos termos do art. 209, do Regimento Interno.
Assim, suscito incidente de inconstitucionalidade do § 1º do artigo 1º da Lei Complementar nº 116/2003.”
Portanto, aguarda-se, para breve, o julgamento de constitucionalidade do art. 1º, §1º da Lei Complementar n. 116/2003, que previu a incidência da do ISSQN sobre a importação de serviços, pelo órgão Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, pela sistemática prevista no art. 97 da Constituição Federal de 1988.
Espera-se que a corte local gaúcha declare a inconstitucionalidade da exação, na medida em que: (i) ausente previsão constitucional expressa permitindo a tributação, pelo ISSQN, da importação de serviços, sendo que se permitir tal cobrança fere o Princípio Constitucional da Terriotrialidade; e (ii) inadmissível a tributação de serviços prestados no exterior, posto que o prestador não mantém vínculo jurídico com qualquer Município brasileiro.
Dr. Rafael Wagner Advogado,
Especialista em Direito Tributário pelo (IBET),
Membro Colaborador do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT);
Vice-presidente do Instituto de Estudos Tributários (IET);
Membro da Comissão de Direito Tributário da OAB/RS;
Membro da Divisão Jurídica da FEDERASUL.