Feminicídio: Desafio coletivo que exige resposta integrada e humanizada

O combate ao feminicídio foi o tema central do Tá na Mesa desta quarta-feira (28), promovido pela FEDERASUL. O encontro reuniu o Secretário de Segurança Pública do Estado, Sandro Caron, a promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Alessandra da Cunha, e a diretora do Departamento Estadual de Proteção a Grupos Vulneráveis, Delegada  Tatiana Bastos.

Na saudação, o presidente da FEDERASUL, Rodrigo Sousa Costa, destacou que o enfrentamento da violência exige respostas racionais, articuladas e estratégicas. Reforçou a confiança nas forças de segurança pública do RS e valorizou o trabalho das polícias civil e militar, apontando o orgulho da sociedade gaúcha por esses profissionais. Para ele, a sociedade civil também tem papel crucial: deve contribuir de forma técnica e colaborativa, ouvindo quem vivencia o problema na prática, com o objetivo de identificar gargalos legais e promover mudanças estruturais reais.

Costa também reconheceu a trajetória de Simone Leite, ex-presidente da entidade e atual presidente do Conselho da Mulher Empreendedora da FEDERASUL, pela valorização do protagonismo feminino por meio da criação de grupos de apoio às mulheres empreendedoras. “Essa pauta deve ser abraçada por toda a sociedade — instituições públicas, privadas, meios de comunicação e lideranças — como uma responsabilidade coletiva”, afirmou.

A violência não escolhe classe social

Em sua fala, Simone Leite ressaltou que a violência contra a mulher atravessa todas as camadas sociais. Para ela, é urgente uma coordenação entre diferentes setores para garantir uma resposta efetiva. Na educação, destacou a importância de acolher e orientar crianças que crescem em ambientes marcados pela violência. Na saúde, defendeu que o sistema esteja preparado não apenas para receber as mulheres vítimas, mas também os homens que buscam ajuda — com acesso imediato a atendimento psicológico e psiquiátrico. E reforçou o papel essencial do Judiciário, que deve atuar de forma sensível e célere.

Segurança não é o único pilar

O secretário Sandro Caron reforçou que o feminicídio não é apenas reflexo de falhas nas instituições públicas, mas de uma cultura estruturalmente machista e misógina, que legitima o controle e a violência contra a mulher.  

“Para enfrentar isso, precisamos de uma mudança cultural profunda, que envolva todos os setores — públicos e privados, imprensa e sociedade civil”, afirmou.

Caron ressaltou que é preciso romper com o silêncio e a omissão, combatendo ideias ultrapassadas como “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”. De acordo com ele a Secretaria de Segurança atua para ampliar os canais de denúncia.  

Um recente avanço citado foi o Termo de Cooperação com a Secretaria da Saúde, que permite o compartilhamento de notificações de violência de gênero, sexual e contra crianças e adolescentes, facilitando a atuação integrada com a Polícia Civil e a Brigada Militar. Segundo ele, essa iniciativa pode reduzir em até 15% a subnotificação. 

Atualmente, 366 agressores são monitorados eletronicamente em 41 cidades do RS. Em 2025, 79 deles já foram presos por descumprimento de medidas protetivas.

Feminicídio como crime de ódio

A Delegada de Polícia Tatiana Bastos considera que o feminicídio é fruto de um sentimento de controle e possessividade do agressor, que se sente legitimado a matar a mulher quando ela decide encerrar a relação. E que o perfil desses crimes mostra níveis elevados de crueldade e descontrole, sendo que em 20% dos casos terminam com o suicídio do agressor.        

           

“O feminicídio é um dos crimes mais complexos de serem enfrentados. Eu comparo esses crimes, na forma de enfretamento e na sua base enquanto crime de ódio, a atos terroristas”, declarou.

Tatiana também reforçou a importância da prevenção primária, com educação de gênero, reeducação de agressores e fortalecimento da rede de proteção e saúde. Chamou atenção para a gravidade da subnotificação: 90% das vítimas de feminicídio não tinham medidas protetivas, e a maioria dos crimes ocorre em cidades do interior, onde faltam estruturas especializadas como delegacias da mulher e casas-abrigo. A delegada explicou que a Polícia Civil do Rio Grande do Sul atua em três eixos: prevenção, repressão e ações estratégicas, sendo fundamental o trabalho em rede interinstitucional para lidar com violências estruturais.

A palavra da vítima importa

A promotora Alessandra da Cunha afirmou que o lugar mais perigoso para uma mulher ainda é a sua própria casa. E mesmo com um dos arcabouços legais mais avançados do mundo, os índices de feminicídio seguem altos — tanto no RS quanto no restante do país.

Segundo ela, é essencial humanizar o olhar institucional sobre as vítimas e investir em uma atuação multidisciplinar, que envolva educação, saúde, segurança e sociedade civil. Alessandra reforçou a importância das denúncias por parte da rede de apoio das mulheres e o papel de campanhas públicas para conscientizar vizinhos, colegas e familiares.

Ela também destacou o avanço que foi a criação, no Ministério Público do RS, do Centro de Apoio Operacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, o que trouxe mais especialização e articulação interinstitucional.

“Dificilmente uma vítima que esteja se sentindo amparada, ela vai voltar atrás com a denúncia ou desistir de uma protetiva”, disse considerando que “se partirmos do julgamento de que a vítima voltou atrás por querer permanecer no ciclo de violência, estamos falhando — estamos perdendo essa vítima. Precisamos reforçar, nesses espaços, que a palavra da vítima importa e que ela será ouvida e acolhida.”