A Argentina do liberal Mauricio Macri eliminou nesta quinta-feira o cepo(controle) cambial que vigorou durante todo o segundo Governo da peronista Cristina Fernández de Kirchner (2011-2015), e com isso o peso sofreu uma desvalorização superior a 40% nos primeiros minutos após a abertura dos bancos e casas de câmbio. O dólar subiu de 9,83 pesos na quarta-feira para 15 no início desta jornada bancária, o que significou uma alta de 52,5%, mas, após intervenção do banco central, baixou para 14,50 (alta de 47,5% em relação à véspera). Até a quarta-feira, os argentinos podiam comprar uma quantidade limitada de dólares no mercado oficial, e apenas com uma autorização.
Entre os economistas, havia um consenso de que era preciso eliminar o controle de capitais e desvalorizar o peso, dado o estancamento do investimento, da economia e da geração de empregos. A dúvida era quanto ao ritmo dessa abertura, por causa do temor de que a inflação, já elevada (24% ao ano em outubro), dispare e cause um crescimento da pobreza (21% da população).
“Isto tem cheiro de anos noventa”, opinou o líder sindical peronista Hugo Moyano, antikirchnerista, em referência à época em que a Argentina aplicou políticas econômicas neoliberais. “Espero que não tenham tirado o cepo[controle] do dólar para colocá-lo nas paritárias”, afirmou, referindo-se à temporada de reajustes salariais coletivos. Nos últimos meses, Moyano se aproximou de Macri e inclusive influenciou diversas nomeações no Ministério do Trabalho. “Os trabalhadores não estão dispostos a perder o poder aquisitivo. Logo que assumiu, o novo Governo não teve dúvidas em eliminar impostos do trigo, do milho e da carne, mas teve dúvidas em eliminar o imposto perverso que é o mínimo isento [de imposto de renda] sobre o décimo-terceiro salário”, acrescentou o líder sindical à rádio La Red.
Entre os que apoiaram o rival kirchnerista de Macri nas eleições, Daniel Scioli, há divergências. O economista Mario Blejer avaliou que a liberalização do cepocambial “é um passo na direção correta”, mas o ex-ministro de Economia Axel Kicillof a desmereceu, por considerá-la uma mera “desvalorização”.
Nos bancos e casas de câmbio, não havia nesta quinta-feira longas filas de cidadãos em busca de dólares para trocar por pesos desvalorizados. A maioria dos argentinos estava ocupada com seu trabalho, com a sobrevivência cotidiana. Mas alguns acharam melhor comprar divisas, também para defender seu nível de vida. Juan, biólogo de 36 anos, esperava diante de uma agência do BBVA no bairro portenho de Abasto para adquirir a moeda norte-americana, aquela em que os argentinos poupavam da década de setenta, escaldados por tantas experiências de inflação e desvalorização. “Preciso proteger meu salário, porque os preços vão subir, e o meu salário vai ficar igual até meados do ano que vem. Como o ministro [da Fazenda, Alfonso Prat-Gay] disse [na quarta-feira] que o dólar iria flutuar, eu compro dólares”, comentava. Faltavam poucos minutos para que o banco abrisse, às 10h, e dois idosos completavam a fila com Juan: uma mulher que também ia adquirir divisas e um homem que precisava fazer um trâmite bancário e não estava interessado na mudança. “Estou velho para comprar dólares”, comentou o ancião.
Na casa de câmbio Metrópolis, no bairro do Once, não havia movimento nenhum. Alguns clientes haviam passado para comprar dólares, mas às 10h20 os funcionários ainda estavam lendo as resoluções do Banco Central sobre a liberalização cambial, antes de vender qualquer coisa. Tempos voláteis começam na Argentina.
Fonte: El País