Pesquisa recente realizada pela KPMG concluiu que a atual pandemia afetou as atividades de investigação interna realizadas pelas empresas, conforme divulgado pelo Valor Econômico, no dia 13/07[1]. Segundo os dados levantados, em 22% dos casos, houve redução das investigações e, em 18%, as investigações foram suspensas. Ainda, 40% das empresas estimam que levarão mais de 6 meses para que as atividades de compliance voltem à normalidade.
Apesar da relevância das investigações corporativas, a suspensão ou a redução das suas atividades, por período determinado, está longe de ser medida condenável. As restrições decorrentes da pandemia de COVID-19 desde março deste ano impuseram, como medida de sobrevivência, que as empresas empregassem seus recursos (financeiros e humanos) nos setores que assegurariam a manutenção da sua atividade-fim neste período absolutamente atípico.
Todavia, as medidas de distanciamento social e de trabalho remoto já se estendem por cinco meses, e seu futuro é, ainda, incerto. Esta indefinição traz consigo a responsabilidade por estabelecer novas formas de dar andamento a atividades, até então, encaradas por alguns como secundárias.
Segundo o Estadão, um levantamento realizado pela empresa Contato Seguro apurou um aumento de aproximadamente 30% no volume de recebimento de denúncias e relatos em plataformas entre seus clientes no período inicial da quarentena[2]. Esse dado reforça a percepção de que, em períodos de crise, incrementam-se os riscos de ocorrência de fraudes e outras irregularidades, o que decorre não só das incertezas causadas pela realidade instalada, mas das oportunidades criadas diante da flexibilização de normas e procedimentos – como a ampliação das possibilidades de dispensa de licitação, autorizada pela Medida Provisória 961/2020, por exemplo.
Por esse motivo, é sempre recomendável que os Comitês de Gestão de Crise das empresas contem com o representante da área de compliance para tomada de decisões e definição de estratégias, mas não só. É importante lembrar que para garantir a efetividade de um programa de compliance é imprescindível dispor de uma política de investigação interna robusta e de uma equipe investigativa atuante e independente. Isso porque a fixação de códigos de conduta e de políticas e procedimentos internos, baseada em uma análise de riscos profunda e detalhada, tem potencial para a mitigação de riscos e somente isso – mitigação. Nenhum programa de integridade, por mais efetivo que seja, tem a capacidade de evitar que todos aqueles a ele submetidos pratiquem atos irregulares.
É em razão disso que torna-se indispensável a previsão de mecanismos de detecção de descumprimento das normas, acompanhados de uma política de investigação interna que estabeleça procedimentos para apuração e sancionamento do desvio. A existência de políticas de investigação e a previsão de sanções aplicáveis aos responsáveis garantem a necessária adequação e padronização da conduta da equipe designada para a investigação e vão além. Asseguram, também, o respeito aos direitos e garantias individuais do investigado, o que, ao fim e ao cabo, é o que assegurará que as provas colhidas no procedimento interno terão validade em eventual procedimento judicial ou administrativo que a empresa opte por perseguir, tenha ele natureza trabalhista, cível ou criminal.
Diante desse quadro de incertezas a curto e longo prazo, embora tenha sido compreensível a redução ou a paralisação momentânea das atividades de apuração de fraudes e irregularidades internas, hoje já não há mais espaço para aguardar o final imprevisível do momento histórico que vivemos para dar seguimento às investigações em curso e, principalmente, para dar início a novos procedimentos. Afinal, as operações do Ministério Público e das Polícias Civil e Federal, além da atuação contínua de órgãos como TCU, CGU, entre outros, evidenciam que a fiscalização estatal não está estagnada em razão da crise, pelo contrário.
Nesse sentido, temos testemunhado o desenvolvimento e o incremento do uso de ferramentas tecnológicas nas mais diversas atividades, havendo notícias, inclusive, de empresas que manterão o regime de trabalho remoto mesmo após o término das medidas de distanciamento social. Ainda que, em alguns casos, não seja o modo ideal de realização de certas diligências de investigação – como a realização de entrevistas de funcionários e investigados por videoconferência, por exemplo –, a necessidade impõe ajustes e adaptações em prol do progresso das atividades, sempre com a devida atenção à segurança dos recursos utilizados e à proteção dos dados obtidos, além de treinamento dos responsáveis pela condução dos procedimentos investigativos neste novo formato.
Passado o choque inicial, é chegada a hora de as investigações corporativas retomarem seu curso.
[1] A matéria está disponível no site: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/07/13/pandemia-impacta-area-de-compliance-diz-kpmg.ghtml. Para acesso à pesquisa da KPMG, acesse o link: https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2020/06/br-covid-19-compliance-survey.pdf
[2] Matéria completa disponível no link: https://economia.estadao.com.br/noticias/governanca,empresas-com-boa-estrutura-de-compliance-tem-melhor-desempenho-no-enfrentamento-a-crise,70003362620.
Emília Klein Malacarne
Membro da Comissão de Ética e Compliance da Divisão Jurídica da FEDERASUL