94% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum evento climático nos últimos 10 anos

Evento organizado pela FEDERASUL contou com três especialistas da área de seguros e meio ambiente e teve foco nas enchentes do RS

Nesta sexta (12), a Divisão Jurídica da FEDERASUL promoveu um Meeting Jurídico que abordou o tema “Seguros para riscos climáticos ambientais e ESG”. O evento contou com as apresentações da advogada e co-fundadora do Instituto pela Diversidade e Inclusão no Setor de Seguros (Idis), Ana Paula Santos, do advogado especialista em seguros e meio ambiente, Pery Saraiva Neto, e do biólogo e advogado especialista em Direito e gestão ambiental, Ricardo Boelter Moraes.”

Foi a primeira edição presencial do evento após a tragédia climática que assolou o Rio Grande. Fabiano Zouvi, coordenador do Comitê de Estudos Societários da Divisão Jurídica da FEDERASUL, abriu o evento, destacando a relevância das discussões temáticas jurídico-empresariais promovidas pela divisão para a sociedade. Em seguida, a coordenadora da Comissão Permanente de Seguros (COSEG) da FEDERASUL, Niris Cristina Fredo da Cunha, apresentou os convidados.

 

Seguro obrigatório

O advogado Pery Saraiva Neto destacou a importância da Lei 12.608/2012, que estabelece a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. Ele ressaltou a necessidade de uma abordagem jurídica abrangente para a prevenção e resposta aos desastres climáticos, apontando que, muitas vezes, ficamos paralisados diante de um desastre climático recorrente. “A impressão que eu tenho é que ficamos todos pasmos por não saber o que fazer”, afirmou. Segundo ele, países como Japão, Europa e EUA se diferenciam por sua cultura de prevenção e aprendizagem contínua com os desastres, algo que ainda falta no Brasil.

Saraiva Neto enfatizou a importância de uma segurança jurídica robusta e da aplicação de uma abordagem sistêmica nas ações de prevenção e mitigação. Ele destacou a problemática das áreas de vulnerabilidade, especialmente as próximas a rios, onde muitas construções são realizadas. “O Código Florestal é a proteção mínima que vale em espaços urbanos”, explicou. Para ele, pensar no futuro requer uma regra de base e legislações municipais específicas que considerem os interesses locais e técnicos.

A principal sugestão de Saraiva Neto foi a consideração de seguros obrigatórios para desastres, questionando: “Você contribuiria com isso? Não tem como se pulverizar esses riscos (ambientais) sem obrigatoriedade”. A solução, para ele, passa pelo mutualismo, com um esforço coletivo para reduzir vulnerabilidades e garantir segurança jurídica, criando uma cultura de prevenção.

Preservação e prevenção

Já o biólogo e advogado especialista em Direito e gestão ambiental, Ricardo Boelter Moraes, discutiu a relação entre áreas de preservação permanente e áreas de risco. Ele destacou que as normas ambientais são essencialmente científicas e que há diferença entre o que a ciência recomenda e o que é legislado. “Nessa miscelânea, são produzidas injustiças, e quem mais sofre são as populações mais carentes”, afirmou Moraes, enfatizando a necessidade de se pensar na prevenção como uma medida prioritária.

“A legislação ambiental brasileira protege muitas vezes áreas que não precisariam de tanta proteção do ponto de vista técnico e deixa de proteger áreas que realmente deveriam ter mais cuidado’, afirmou o especialista.

Moraes também mencionou a importância da segurança jurídica no contexto das áreas de preservação, explicando que a legislação ambiental deve promover uma sinergia entre as necessidades sociais, econômicas e ambientais. “Deixar um empreendedor longe de uma Área de Preservação Permanente também é gerar valor”, disse ele, sugerindo que a proteção ambiental não deve ser vista como um obstáculo, mas como uma oportunidade para promover o desenvolvimento sustentável.

Por fim, Moraes reforçou que a responsabilidade do Estado é resguardar e preservar o meio ambiente, limitando a propriedade privada quando necessário. Ele deu exemplos de áreas no litoral gaúcho que, apesar dos estudos prévios alertando para o risco de alagamentos, ainda receberam construções. “O foco final deve ser sempre a dignidade do ser humano, um dos elementos fundadores da República”, disse Moraes. Ele concluiu sua apresentação lembrando a importância de cuidar do meio ambiente e prevenir desmatamentos, destacando a necessidade de ações baseadas em ciência e segurança jurídica para evitar tragédias futuras.

Mundo VUCA

Finalizando o painel, a advogada Ana Paula Santos participou de forma remota devido à ausência de vôos causados pelas enchentes. Ela expressou sua alegria em ver o Meeting Jurídico retornando presencialmente e ressaltou que a tragédia ocorrida no RS “não deve ser em vão”. Ela destacou que, “por razões topográficas, o Rio Grande do Sul é mais suscetível a desastres”, mas enfatizou que o Brasil inteiro não está livre desses riscos. Ela alertou que, se algo semelhante acontecesse em São Paulo (SP), “a cidade seria completamente destruída”, dado que está situada sobre vários rios.

A advogada enfatizou a importância de que os estados realizem mais estudos de vulnerabilidade para planejar ações eficazes. “O mundo está mudando em todos os seus aspectos, do social ao ambiental e geopolítico”, disse, destacando a natureza volátil, incerta e ambígua do mundo atual, conhecido como “mundo VUCA”. Ela afirmou que, à medida que passamos a identificar os riscos com mais clareza, se torna possível capacitar as cidades com meios mais eficientes de sustentabilidade. “Não é possível integrar estratégias eficientes de sustentabilidade sem compreender o mundo VUCA”, argumentou.

R$ 2 trilhões

Santos também apresentou dados alarmantes sobre as perdas econômicas e sociais causadas por eventos climáticos extremos. Nos últimos 10 anos, 94% dos municípios brasileiros foram atingidos por algum evento climático extremo, resultando em 2,2 milhões de casas danificadas e mais de 26 bilhões de reais em prejuízos. “Para aqueles que eram céticos com o aquecimento global, não se fechem aos dados”, advertiu. A advogada destacou que apenas 31% das perdas estavam seguradas, deixando um enorme gap de proteção. Ela concluiu destacando o papel crucial do setor de seguros, que possui mais de R$ 2 trilhões em ativos, que pode gerar inovações e soluções que promovam o desenvolvimento sustentável, incluindo seguros inclusivos, paramétricos e de proteção à biodiversidade.

PUBLICADO EM: 12 de julho de 2024